quarta-feira, 4 de abril de 2012

LUGAR (IN)COMUM

[GRAVANDO]
Mais uma vez chegou. Sentou-se na poltrona que já era confortavelmente sua, apertou um botão e por um frame de segundo se distraiu, ao contrário do que fazia todos os dias em anos robóticos que já não são mais cronológicos... nunca foram. Pensou. Não conhecia identidade. Já não era mais ele ou ela ou aquele... nunca fora. Entrou naquela época nesse lugar pra encontrar algum vestígio, alguma pista de quem poderia ser. Em vão, pelo menos até agora. Eficiente... isso não há de se negar! Basta que se vejam as evidências, registros, arquivos, fichas. O acordo era claro: não se poderia existir e em troca receberia alguns trocados e era preciso esperar por aquele trocados. Havia somente algumas possibilidades de identidade, àquelas que pagavam os tais trocados em troca de alguma coisa que lhes faltava, mas que lhes conferia àquele lugar. Egos em movimento, desejo, prazer e dor. Não. Não era uma parceria, isso não fazia parte daquele acordo... nunca fizera. A relação era direta. Aos que recebiam os tais trocados era de bom tom se apresentar em trajes finos, elegantes, maquiagem discreta, e uma boa dose de sangue nas veias, para que se pudesse sugar. Não havia voz. Nem gemido. Nem o que se ver ou pesquisar. Havia uma lista. Sim. Uma lista enorme do que se fazer... e quando se fazia aquilo, tudo se transformava no que não se fazer. O dito pelo não dito, e mesmo que se tenha ouvido o que foi dito, às vezes, se tornava conveniente não se ter ouvido. Parou. Respirou. Tomou uma boa dose e novamente voltou à poltrona de onde, aliás, nunca deveria ter saído... dizem... Lembrou-se da lista, e naquele dia, fechou as pernas como nunca antes! Fez todas as coisas que não estavam no acordo. Estava com vontade de fazer algo diferente. Viu sua obra. Viu pela primeira vez... talvez... um caminho para se encontrar. Logo foi novamente tomado pela lista, pela pressa, pelo palco, pelo público, pela urgência de dar. Abriu as pernas e, de acordo com o acordo, deixou-se penetrar... como sempre fizera. Já não sentia mais dor, nem medo, nem surpresa. Era lívido o sentimento. Atrasou. Perdeu-se. Chegou tarde em casa. Pensou. Tirou a roupa. Tomou um banho como sempre fizera. Ficou em silêncio. Esqueceu. Procurou esquecer de tudo aquilo... e de si também... como sempre fizera.
[CORTA]

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